Num carnaval, há alguns anos atrás, quando eu estava mergulhada num período de confusão e reflexões profundas sobre a dança a dois, uma pessoa muito querida precisava de ajuda e naquele carnaval eu passei a cuidar de um filhote de gato. Não deu outra, todos aqui em casa se apaixonaram por ele e aquele gatinho passou a fazer parte da família. Seu nome? Lilica!
Era estranho eu ter “um gato” dentro de casa, porque eu sempre tive bichos, mas todos “da porta pra fora”… eram as regras na casa dos meus pais. Enfim, como eu não morava mais com os meus pais e quem “mandava” em casa agora era eu… a Lilica ficou pra dentro… E com aquele jeito “gato de ser” foi conquistando e cativando todo o nosso mundo. As vezes ela nos dava “bola”, outras nos ignorava, as vezes queria brincar, outras não estava nem aí pra gente… coisas de gato. No entanto, ela nos ensinava algo sobre a natureza dos seus movimentos, seu jeito de andar, suas articulações… Aquela coisa fofa era gostosa demais pra “apertar”, segurar e sentir.
Quando ela se deixava pegar, as suas articulações ficavam “soltinhas” e a musculatura “relaxada” e eu sentia ali muita entrega, um peso bom e um encaixe com as partes do meu corpo que lhe davam espaço, no entanto, quando ela não queria, existia uma trava naquelas articulações e tanta tensão naqueles pequenos músculos, onde eu sentia uma repulsa, então era melhor deixá-la.
Quando ela queria, vinha até o nosso colo e ali ficava toda entregue. E nos experimentávamos através da brincadeira. Eu pegava as suas patinhas e as colocava pra cima e ela, sem nenhum controle, mas com uma inteligência felina absurda deixava as patinhas “pousarem” no meu colo, não havia peso pesado, mas havia peso. Fiquei por muito tempo percebendo todas aquelas reações e fazendo analogias com a dança. Até que um dia, num dos estudos de dança, resolvi experimentar o meu corpo da forma como aquele “corpo de gato” me ensinou… e me entreguei à experiência.
Fomos descobrindo (eu e meu parceiro de estudo) que é extremamente talentoso e aberto a novas experiências e reflexões (claro que eu não contei que a inspiração vinha de um gato…) que aquilo tudo era muito bom e a dança conseguia encontrar espaço naqueles dois corpos. Começou a rolar muita harmonia e consciência e a ocupação dos espaços foi se tornando mais fácil, já que encontramos os pontos de soltura e relaxamento de que precisávamos para conseguir encontrar novos lugares na nossa dança. Depois, fomos testando isso em outras partes do corpo e experimentando densidades diferentes de tensão e soltura muscular e a cada dia aquilo nos ia dando mais consciência e impressões positivas sobre o nosso corpo, a colocação dele no espaço, a sua funcionalidade e a natureza dos movimentos.
Em dezembro do ano de 2014 a nossa gatinha foi embora e nos deixou com uma saudade absurda, no entanto, me parece que a missão que ela tinha conosco foi cumprida e ela nos deixou de presente todo esse conhecimento sobre qualidade de movimento, entrega e natureza animal e humana. E isso me fez sentir ainda mais próxima e agradecida aos animais.
Gratidão Lilica, Você foi incrível!!!
Te amamos absurdamente.